sábado, 1 de setembro de 2007

Vocações provisórias

POR POUCO

Eu teria sido um poeta se tivesse rimado a estrofe e completado o soneto. Quebrei o pé do verso, inverti o mote, perdi a glosa e o que seria poesia virou prosa. Admirável mundo dos repentistas. De repente, um repente em linguagem coerente, com pingos e acentos, movimentos ritmados, temática recorrente, gramática concernente, inspiração desconcertante, um concerto a céu aberto, conceito de errado ou certo, de longe e perto, latente ou desperto, patente ou incerto, ligado ou disperso, único ou diverso, côncavo e convexo, do universo e da tribo, estribado no estilo e no estalo, em estado de graça, no humor e na desgraça, no salão e na praça, no peito e na raça, como vier. Não sou poeta e muito menos repentista, mais ou menos contador de velhos contos, cantador de moda nova, encantador de serpente, enquanto a dor que se sente se vai no vai-vem da voz. Nem tanto que não possa ser tudo, nem tudo que não possa ser mais. Sou apenas um rapaz incapaz de viver em paz comigo. Mal consigo a solidão de um rosto na multidão, o anonimato de uma folha seca no mato, a insulação do prisioneiro, o desespero do desempregado, o destempero do inebriado, o apelo do excluído. Quisera ter sido um poeta de verdade, mas na verdade, não sei sequer entender os poetas. O que estará fazendo Manuel Bandeira uma hora dessas em Pasárgada? Em que lugar do Pantanal, Manoel de Barros aprendeu seu formigues? Que fim levou o Barbosires? Qual é o fim disso? Ninguém é poeta por acaso. O que diz o profeta não será alvo de pouco caso. Poesia e profecia tem tudo a ver. Ambas acham o fio da meada, o atalho na estrada, o estrado da verdade, o estrato da contabilidade, o extrato da essência, a rescindência do contrato, a reincidência do mal-trado, o dano do malbarato, o danado do saber que me falta. Ah, se meu pai tivesse tido a inspiração de fazer poesia...

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