ANTES TARDE
Estou certo de que mais dia menos dia os mares vão secar, o luar sofrer um definitivo apagão, o coração dar a última batida, a saída abrir-se pela última vez, o pequenez dar o derradeiro cocoricó, o forrobodó ter mais um quebra pau, o mingau à enésima colherada, a fachada mostrar o letreiro final, o fanal emitir o último sinal, o casal dar a última trepada, a caçada pegar o bicho remanescente, a enchente romper a represa, a empresa baixar as portas, a horta secar o repolho, o piolho tomar a cabeça, a cobiça morrer de inveja, a peleja perder a parada, a camada ceder ao peso, o defeso ceder ao anzol, o anzolo perder todo o brilho, o trilho descarrilar o trem, o xerém não dar pro mingau, a espiral retomar a inflação, a inflamação virar gangrena, a gota-serena abrir o olho, o repolho encobrir o alface, a face esquerda corar a direita, a seita peitar a religião, o ladrão flagrar a polícia, a malícia melar o perdão, a perdição pedir passagem, a viagem perder o retorno, o contorno seguir o atalho, o galho tomar o tronco, o bronco domar o sábio, o lábio lamber a língua, a íngua matar a dor, o estertor afugentar a morte, o forte ceder ao fácil, o fóssil conter o fogo, o jogo não empatar, o placar permanecer apagado, o apegado desgarrar, o lugar ser proibido, o descabido caber, o parecer ser contrário, o fadário ser tão triste, o alpiste ser tão pouco, o louco ser tão lúcido, o lúdico ser tão verdadeiro, o primeiro vir atrás, a paz não dar esperança, a criança não crescer, o querer não acrescer, o aquecer não transpirar, o conspirar não decidir, o conferir não comprovar, o pesar não dar fiel, o fel sem ressentimento, o vento vir sem virus, o suspiro sem paixão, a lesão sem tratamento, o fermento sem o trigo, o inimigo sem as armas, o carma sem regressão, a porção ignorada, a fada madrinha, farinha pouca meu angu primeiro. Antes que seja tarde.
segunda-feira, 27 de setembro de 2010
sábado, 11 de setembro de 2010
Manual de cultura inútil
RÉQUIEM
Os sinos dobram pelo corpo que não se deixou dobrar, pelo ar que com a fumaça torna-se irrespirável, o intolerável que com a trapaça não passa na porta, a revolta envolta na clandestinidade, a cidade parada no sinal vermelho, o espelho quebrado na imagem apagada, a parada que passa na rua sem gente, o ausente presente nas bodas da cabra, o caibro quebrado na cumieira, a primeira estação depois do outono, o sono dos justos depois da janta, a santa de casa que obra prodígios, o calipígio que cabe no banco, o barranco que contém a corrente, o inocente que sabe bem o que faz, o satanaz e seus anjos sem asa, a casa assombrada junto ao sobrado, as sobras grudentas da baba da cobra, a cobrança da sogra subindo à cabeça, a cobiça do homem pelo que a vista alcança, a dança desconexa do acasalamento, o casamento entre dois inimigos, o abrigo seguro por um fio de esperança, a criança insegura pela desesperança, a ignorância e seu minuto de sabedoria, a alegria e a hora de sua tristeza, a certeza e as dúvidas que acarreta, a correta atitude as recaídas, as saídas abertas e as portas fechadas, as fachadas enfeixadas em seu gás neon, o som sobrecarregado de seus decibéis, os papéis invertidos de mando e manada, a barricada de barras e barris, o feliz folião com a fala e o fole, o gole gelado na goela do galo, o calo grudado na unha encravada, o cravo crivado na ferradura, o ferrão atrofiado da abelha rainha, a bainha de couro da faca de ponta, a conta quitada no vencimento, o aumento ajustado no dissidio, o suicídio e sua exclusividade, a identidade e suas múltiplas clonagens, a bagagem e os incontáveis extravios, dobram os sinos pelo vazio.
Os sinos dobram pelo corpo que não se deixou dobrar, pelo ar que com a fumaça torna-se irrespirável, o intolerável que com a trapaça não passa na porta, a revolta envolta na clandestinidade, a cidade parada no sinal vermelho, o espelho quebrado na imagem apagada, a parada que passa na rua sem gente, o ausente presente nas bodas da cabra, o caibro quebrado na cumieira, a primeira estação depois do outono, o sono dos justos depois da janta, a santa de casa que obra prodígios, o calipígio que cabe no banco, o barranco que contém a corrente, o inocente que sabe bem o que faz, o satanaz e seus anjos sem asa, a casa assombrada junto ao sobrado, as sobras grudentas da baba da cobra, a cobrança da sogra subindo à cabeça, a cobiça do homem pelo que a vista alcança, a dança desconexa do acasalamento, o casamento entre dois inimigos, o abrigo seguro por um fio de esperança, a criança insegura pela desesperança, a ignorância e seu minuto de sabedoria, a alegria e a hora de sua tristeza, a certeza e as dúvidas que acarreta, a correta atitude as recaídas, as saídas abertas e as portas fechadas, as fachadas enfeixadas em seu gás neon, o som sobrecarregado de seus decibéis, os papéis invertidos de mando e manada, a barricada de barras e barris, o feliz folião com a fala e o fole, o gole gelado na goela do galo, o calo grudado na unha encravada, o cravo crivado na ferradura, o ferrão atrofiado da abelha rainha, a bainha de couro da faca de ponta, a conta quitada no vencimento, o aumento ajustado no dissidio, o suicídio e sua exclusividade, a identidade e suas múltiplas clonagens, a bagagem e os incontáveis extravios, dobram os sinos pelo vazio.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Manual de cultura inútil
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Eu sigo a luz frouxa do quarto-minguante, a crescente onda de insatisfação, os satisfeitos com o caos evidente, a aparente noção da verdade, as mentiras da mídia mediana, o extremo das ideologias exóticas, o normal dos seres comuns, a rareza da fortuna honesta, a corrupção dos costumes mais nobres, o pobre mais perto do deplorável, os aprovados no concurso público, o privado aos exploradores, o explorado de todos os matizes, o incolor em todas as matrizes, a filial e seus poucos momentos felizes, a infelicidade e sua plêiade, o solitário e seu tempo todo de lucidez, a insanidade das cabeças geniais, a idiotice e suas virtudes, as mazelas e suas vicissitudes, o favorável e suas bajulices, o grosseiro e suas pacholices, a lisura e suas crueldades, a benevolência e suas concussões, o inabalável e seus temores, a intrepidez e seus defensores, o indefeso e seus pesadelos, o sono e seus sonhos acordados, o adormecer e o frio da madrugada,o anoitecer e as estrelas cadentes, o ascendente e as tempestades, a calmaria e as previsões de chuva, a seca e as provisões escassas, a abundância e seus desperdícios, o aproveitável e o que lhe falta, a sobra e suas sombras, a claridade e seus tons azuis, o amarelo e seu ouro falso, o legítimo e o seu gosto amargo, o doce e seus excessos, o comedimento e seus descuidos, os cuidados e seus deslizes, a lisura e suas lesões, as cicatrizes e suas sucatas, o novo e sua inocência, a impureza e seus apuros, o alívio e seus delírios, o recato e seus recantos, o universo e seus encantos, o desencanto e seus malogros, o sucesso e seus sucessores, o insubstituível e sua substância, o vazio e sua retumbância. Quem me segue?
Eu sigo a luz frouxa do quarto-minguante, a crescente onda de insatisfação, os satisfeitos com o caos evidente, a aparente noção da verdade, as mentiras da mídia mediana, o extremo das ideologias exóticas, o normal dos seres comuns, a rareza da fortuna honesta, a corrupção dos costumes mais nobres, o pobre mais perto do deplorável, os aprovados no concurso público, o privado aos exploradores, o explorado de todos os matizes, o incolor em todas as matrizes, a filial e seus poucos momentos felizes, a infelicidade e sua plêiade, o solitário e seu tempo todo de lucidez, a insanidade das cabeças geniais, a idiotice e suas virtudes, as mazelas e suas vicissitudes, o favorável e suas bajulices, o grosseiro e suas pacholices, a lisura e suas crueldades, a benevolência e suas concussões, o inabalável e seus temores, a intrepidez e seus defensores, o indefeso e seus pesadelos, o sono e seus sonhos acordados, o adormecer e o frio da madrugada,o anoitecer e as estrelas cadentes, o ascendente e as tempestades, a calmaria e as previsões de chuva, a seca e as provisões escassas, a abundância e seus desperdícios, o aproveitável e o que lhe falta, a sobra e suas sombras, a claridade e seus tons azuis, o amarelo e seu ouro falso, o legítimo e o seu gosto amargo, o doce e seus excessos, o comedimento e seus descuidos, os cuidados e seus deslizes, a lisura e suas lesões, as cicatrizes e suas sucatas, o novo e sua inocência, a impureza e seus apuros, o alívio e seus delírios, o recato e seus recantos, o universo e seus encantos, o desencanto e seus malogros, o sucesso e seus sucessores, o insubstituível e sua substância, o vazio e sua retumbância. Quem me segue?
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