sexta-feira, 12 de novembro de 2010

FÁCIL

A vida passa na velocidade da luz, conduz do abrir dos olhos ao apagar das velas em um minuto, minuta toda a história num piscar de olhos, olha tudo à sua volta num estalar de dedos, dedilha todas as cordas numa nota só, soletra o alfabeto inteiro na primeira letra, letra a canção completa numa só estrofe, estroça o superior com um só comando, comanda a comandita com uma rubrica, quantifica toda a tabuada com o número zero, zera todas as contas com um cheque pré, prevê todos os futuros numa bola de gude, gruda a esperança em um pau de sebo, sabe o que não aprendeu numa folha em branco, banca as despesas e não cobra juros, jura amor eterno e depois quebra a jura, abjura a fé e não se arrepende, pende para um lado cai e não levanta, planta molha a planta mas não colhe, tolhe os movimentos mas não pára, encara os sentimentos com a descrença, desaquece o clima com a frieza do gesto, gesta gerações sem nenhum gemido, gemia em partes iguais para os diferentes, defere o requerimento sem assinar embaixo, rebaixa o preço sem quebrar o caixa, encaixa o queixo sem morder a língua, míngua a íngua mas não mata a dor, doura a pílula mas não a prescreve, descreve o fato mas não mostra a foto, fita o feto mas esconde o fito, fituca a ira mas simula o ódio, adia a data sem alterar ordem, ordenha a rês e não dá o queijo, queixa-se do mau e não faz mal, malbarata o caro e deixa barato, baratina a barata sem deixá-la tonta, afronta a frota mas não perde o frete, frita a folha mas conserva a fruta, frustra a expectativa e não justifica, ajusta o injusto e não perdoa a culpa, ocupa o espaço e fica à vontade. Até que o ponteiro grande engula o pequeno.

domingo, 7 de novembro de 2010

QUASE

Eu não consegui evitar o atraso, o prazo de validade, a leveidade da aventura, a ventura de querer, a querela com o mais fraco, o fracasso da tentativa, a tentação do pecado original, a originação da ira divina, o divinhar dos tempos remotos, o remorso dos males refeitos, os rejeitos da última explosão, a exploração dos primeiros rumores, os clamores dos descamisados, o descaminho dos desavisados, o desavir dos aliados, a alienação da lucidez, a cupidez do cupido, o cuspido do tísico, o físico do mais forte, o porte de armas, as almas penadas, a pena capital, o capítulo final, a final prorrogada, as prerrogativas de líder, as lides réprobas, as reprovações injustas, as injunções reprováveis, as provas irrefutáveis, as irrefreáveis cominações, as combinações recônditas, a recondução da perversidade, a pervasividade dos rumores, os humores amargurados, o amargor da despedida, as feridas da agressão, a regressão desferida, a devida progressão, o progresso das medidas, as desmedida coragem, a lavagem cerebral, o célebre celerado, o acelerado cidadão, a cidade fantasma, a asma incurável, a incúria desculpável, o descultivo da cura, a curra evitável, o incansável grito de alerta, a incerta corrente do bem, o trem da alegria, a alergia ao dinheiro, o primeiro que bateu à porta, o aporte indevido, o indivíduo inoportuno, o inopino momento, o memento repleto, o replei do último capítulo, o capitular ao som do mais forte, o fortificante espiritual, o espiral da infração, a inflação controlada, o controle remoto, o remorso aplacado, a placa formatada, a forma untada, a entrada proibida, a bebida saudável, soldável a saudade. Eu consegui.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Manual de Cultura Inútil

POR TODOS OS SANTOS

Os homens foram todos mortos e sepultados, sopitados os seus gemidos, geminados os sentimentos, sentenciados os erros, erriçadas as crenças, crenados os ressaltos, ressaltados os fatos relevantes, revelados os filmes em branco e preto, pretextadas as hipóteses, hipotecadas as solidariedades, solidificados os anseios de paz eterna, externado o fingimento mais banal, embananado na desculpa mais rota, rotacionado na maior de todas as pressas, apreçado no custo menos atraente, atraído pela trama mais esquiva, equivocado com a mais simples refutação, reputado com a celebridade menos adequada, adensado da forma menos espessa, apressado na estrada sem atalho, atulhado na carga sem atilho, atirado na faina mais inútil, utilizado da forma mais arrevesada, arrazoado do jeito menos sensato, sensibilizado sem verter uma lágrima, lacrado sem o sinete secreto, secretado com o mais puro sabor, saboreado com frugal apetite, apetrechado do mais sujo ódio, adiado para o dia anterior, interiorizado por hábitos proibidos, providos de argumentos inconsistentes, consciente da irresponsabilidade cometida, comentado com a análise mais parcial havida, ávido das vinganças mais atrozes, atrusado no meio mais suspeito, suspenso dos prazeres mais elementares, alimentado pelas ilusões mais alusivas, alucinado pelos pesadelos mais cruéis, cruentado pelas torturas mais abomináveis, abonado nas faltas mais comuns, comungado dos sonhos mais impossíveis, possessor de dominações possessas, professa de seitas satânicas, satirizado pelo menos engraçado dos mordazes, amordaçado pela mais repressora das censuras, censitário dos dados mais confusos, cafuzo de cor questionável, questionário de perguntas sem reposta, repositório de respostas sem perguntas. Os vivos continuam insepultos.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Manual de Cultura Inútil

RESGATE REGATEADO

Os homens foram todos resgatados, regateados todos os preços, apreciados todos os ritmos, ritmados todos os passos, passado todos os apuros, apurados todos os fatos, fatorados todos os números, enumerados todos os nomes, nomeados todos os parentes, parênteses em todas as frases, fraseio em todas as palavras, palavrório em todos os discursos, discurrido em qualquer recurso, recurvo em todas as direções, dileção por todos os sabores, cores vivas em todo o cinza, cinzel para todas as pedras, perdas a todos os lucros, lacre para todos os segredos, segregados todos os insurgentes, insurdescência a todas as súplicas, suplício a todas as penas, penada em qualquer assunto, acento em todas as vogais, vogante indefinidamente, indefinível a olho nu, núcego de ambições tardias, tardívago em todos os movimentos, móvito em toda gravidez, grave em todos os tons, tonificados todos os músculos, emasculados todos os machos, machucados todos os brios, brioche a todos os famintos, fomento para todos os projetos, projeção para todos os sucessos, sucessão para todos os eleitos, eleição para todos os cargos, encargos a todos encarregados, carregar as armas disponíveis, nivelar todas as pretensões, preterir as adversidades, advertir todos os desavisados, desavir todos os pactos, impactar todos os impasses, impassibilizar todos os sofrimentos, sofrear todos os sôfregos, sofregar a paciência, pacificar os conflitos, confluir os interesses, inteirar o parcial, parcelar todos haveres, reaver o prejuízo, prejulgar todo suspeito, suspender todos os pleitos, peitar todos desafetos, desinfetar os dejetos, desjungir todas as cangas, encangar todos os grilos, grilar todas as terras e aterrar todos os males que se abomina antes que os trinta e três resgatados decidam voltar definitivamente para a velha mina.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Manual de Cultura Inútil

GUERRA DOS MENINOS

Eu vi um menino chegando com uma metralhadora na mão, no coração uma carga pesada de medo, no enredo uma trama triste de amores proibidos, no vidro o reflexo de uma tirania imprecisa, na camisa as marcas de uma luta sem causa, na pausa um minuto de sono e pesadelo, nos cabelos o mistério da força proibida, na partida o aceno da volta iminente, na frente os riscos da proximidade ao caos, nos maus os sinais da piedade, na bondade o calor do perdão, no porão os lucros e perdas da conta fechada, na fachada o último anúncio da liquidação, no chão o primeiro prenúncio da queda final, no canal o filme em cores de uma vida incolor, no vapor a última gota de água potável, no notável a última esperança de ficha limpa, na grimpa uma luz ao final do túnel, no tonel a água transformada em vinho, no ninho a ave que não se fez de um ovo, no polvo suas afortunadas ventosas, nas rosas seus espinhos protetores, nas cores o retrato da aquarela, na fivela o ícone da pecuária prevalente, no pente a lêndea e o piolho, no molho o milho moído, nos idos o momento de glória, na história uma página virada, na fada um conto de mágica, no magenta um grito de guerra, na serra o mundo a perder de vista, na pista estreita as curvas e retas, na meta frustrada os erros revistos, nas revistas a manchete do cessar fogo, no jogo o resultado favorável, no inefável os segredos do enigmático, no prático a solução mais indicada, na caçada o bicho mais exótico, no pórtico a saída para a fama, na lama o chafurdar da fome, no nome o aval para a felicidade, na cidade a obediência cega ao sinal luminoso, no teimoso a conta de chegar, no cantar o ritmo da dança, na trança os vestígios de uma infância vencida. Eu tive medo porque a arma não era de brinquedo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Manual de Cultura Inútil

VOTO (IN)ÚTIL


Neste domingo vou votar pela paz na terra, pela guerra contra a mediocridade, a liberdade dos passarinhos, os caminhos com destino à sonoridade, a luminosidade da mina arruinada, a piada antiga e seu riso falso, o cadafalso e sua corda nova, a cova e seu defunto novo, o povo e sua experiência, a consciência e seus cabelos brancos, o banco e a conta corrente, a enchente e seus flagelados, o regalado e as abundâncias, a jactância e seus jacás de arroubos, o roubo e seu desvendamento, o cimento e sua sementeira, a cegueira e sua iluminura, a rasura e sua correção, a correição e a voracidade, a veracidade e suas relações, as eleições e seus bons resultados, os soldados e suas baionetas, a caneta e o mataborrão, a seleção e o novo treinador, o trilador e seu trinado triste, o chiste e sua graça oculta, a catapulta e seus alvos cinza, o cinzel e sua pedra ume, o curtume e seu couro cru, o cruá e sua fibra fímbria, a cimbra e sua sombra recurva, a curva e seus atalhos retos, o feto e a vida de fato, o fator e suas consequências, a demência e sua lucidez, o freguês e sua razão, a ração e o razoável, a razia e a pilhagem, a milhagem e o apagão aéreo, o etéreo e o eterno, o inferno e todas maldições, o maldizente e sua língua preta, o exegeta e sua didática, a pragmática e seu formalismo, o fanatismo e suas utopias aterradoras, o aterro e o nivelamento, o movimento e sua abrupta interrupção, a vibração e seu momento de prazer, o lazer até o limite da vadiagem, a viagem até a margem direita do precipício, o benefício até o último a ter direito, o pleito até o último voto, o voto até o primeiro homem honesto.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Manual de Cultura Inútil

ANTES TARDE


Estou certo de que mais dia menos dia os mares vão secar, o luar sofrer um definitivo apagão, o coração dar a última batida, a saída abrir-se pela última vez, o pequenez dar o derradeiro cocoricó, o forrobodó ter mais um quebra pau, o mingau à enésima colherada, a fachada mostrar o letreiro final, o fanal emitir o último sinal, o casal dar a última trepada, a caçada pegar o bicho remanescente, a enchente romper a represa, a empresa baixar as portas, a horta secar o repolho, o piolho tomar a cabeça, a cobiça morrer de inveja, a peleja perder a parada, a camada ceder ao peso, o defeso ceder ao anzol, o anzolo perder todo o brilho, o trilho descarrilar o trem, o xerém não dar pro mingau, a espiral retomar a inflação, a inflamação virar gangrena, a gota-serena abrir o olho, o repolho encobrir o alface, a face esquerda corar a direita, a seita peitar a religião, o ladrão flagrar a polícia, a malícia melar o perdão, a perdição pedir passagem, a viagem perder o retorno, o contorno seguir o atalho, o galho tomar o tronco, o bronco domar o sábio, o lábio lamber a língua, a íngua matar a dor, o estertor afugentar a morte, o forte ceder ao fácil, o fóssil conter o fogo, o jogo não empatar, o placar permanecer apagado, o apegado desgarrar, o lugar ser proibido, o descabido caber, o parecer ser contrário, o fadário ser tão triste, o alpiste ser tão pouco, o louco ser tão lúcido, o lúdico ser tão verdadeiro, o primeiro vir atrás, a paz não dar esperança, a criança não crescer, o querer não acrescer, o aquecer não transpirar, o conspirar não decidir, o conferir não comprovar, o pesar não dar fiel, o fel sem ressentimento, o vento vir sem virus, o suspiro sem paixão, a lesão sem tratamento, o fermento sem o trigo, o inimigo sem as armas, o carma sem regressão, a porção ignorada, a fada madrinha, farinha pouca meu angu primeiro. Antes que seja tarde.

sábado, 11 de setembro de 2010

Manual de cultura inútil

RÉQUIEM

Os sinos dobram pelo corpo que não se deixou dobrar, pelo ar que com a fumaça torna-se irrespirável, o intolerável que com a trapaça não passa na porta, a revolta envolta na clandestinidade, a cidade parada no sinal vermelho, o espelho quebrado na imagem apagada, a parada que passa na rua sem gente, o ausente presente nas bodas da cabra, o caibro quebrado na cumieira, a primeira estação depois do outono, o sono dos justos depois da janta, a santa de casa que obra prodígios, o calipígio que cabe no banco, o barranco que contém a corrente, o inocente que sabe bem o que faz, o satanaz e seus anjos sem asa, a casa assombrada junto ao sobrado, as sobras grudentas da baba da cobra, a cobrança da sogra subindo à cabeça, a cobiça do homem pelo que a vista alcança, a dança desconexa do acasalamento, o casamento entre dois inimigos, o abrigo seguro por um fio de esperança, a criança insegura pela desesperança, a ignorância e seu minuto de sabedoria, a alegria e a hora de sua tristeza, a certeza e as dúvidas que acarreta, a correta atitude as recaídas, as saídas abertas e as portas fechadas, as fachadas enfeixadas em seu gás neon, o som sobrecarregado de seus decibéis, os papéis invertidos de mando e manada, a barricada de barras e barris, o feliz folião com a fala e o fole, o gole gelado na goela do galo, o calo grudado na unha encravada, o cravo crivado na ferradura, o ferrão atrofiado da abelha rainha, a bainha de couro da faca de ponta, a conta quitada no vencimento, o aumento ajustado no dissidio, o suicídio e sua exclusividade, a identidade e suas múltiplas clonagens, a bagagem e os incontáveis extravios, dobram os sinos pelo vazio.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Manual de cultura inútil

FOLLOW

Eu sigo a luz frouxa do quarto-minguante, a crescente onda de insatisfação, os satisfeitos com o caos evidente, a aparente noção da verdade, as mentiras da mídia mediana, o extremo das ideologias exóticas, o normal dos seres comuns, a rareza da fortuna honesta, a corrupção dos costumes mais nobres, o pobre mais perto do deplorável, os aprovados no concurso público, o privado aos exploradores, o explorado de todos os matizes, o incolor em todas as matrizes, a filial e seus poucos momentos felizes, a infelicidade e sua plêiade, o solitário e seu tempo todo de lucidez, a insanidade das cabeças geniais, a idiotice e suas virtudes, as mazelas e suas vicissitudes, o favorável e suas bajulices, o grosseiro e suas pacholices, a lisura e suas crueldades, a benevolência e suas concussões, o inabalável e seus temores, a intrepidez e seus defensores, o indefeso e seus pesadelos, o sono e seus sonhos acordados, o adormecer e o frio da madrugada,o anoitecer e as estrelas cadentes, o ascendente e as tempestades, a calmaria e as previsões de chuva, a seca e as provisões escassas, a abundância e seus desperdícios, o aproveitável e o que lhe falta, a sobra e suas sombras, a claridade e seus tons azuis, o amarelo e seu ouro falso, o legítimo e o seu gosto amargo, o doce e seus excessos, o comedimento e seus descuidos, os cuidados e seus deslizes, a lisura e suas lesões, as cicatrizes e suas sucatas, o novo e sua inocência, a impureza e seus apuros, o alívio e seus delírios, o recato e seus recantos, o universo e seus encantos, o desencanto e seus malogros, o sucesso e seus sucessores, o insubstituível e sua substância, o vazio e sua retumbância. Quem me segue?

terça-feira, 31 de agosto de 2010

CANDIDATO A SUPLENTE DE SENADOR AGRIDE JORNALISTA

Completamente transtornado e espumando, o empresário Raimundo Nonato, candidato a 2o. suplente (do PP)de Dagoberto Nogueira (PDT) investiu agora há pouco contra a jornalista Andréa Cercariolli, editora da revista Boca do Povo, agredindo-a com palavrões e ameaças de morte. Aconteceu um pouco antes do início do debate entres os candidatos a governador, na sede da Fetems. Andréa estava sentada fazendo anotações, quando foi surpreendida pelo candidato que aos gritos chamava-a de "vagabunda" e outros palavrões impublicáveis e jurava acabar com sua vida.
A jornalista foi acudida pelo deputado Dagoberto Nogueira, cuja intervenção, impediu que dos palavrões ameaçadores o candidato passasse às agressões físicas.
Andréia diz desconhecer as razões da ira do político, mas acredita que é pelo fato dela trabalhar na revista Boca do Povo, semanário de Campo Grande que tem denunciado a inoperância do deputado Antonio Cruz no Congresso Nacional. Raimundo - imagina a jornalista - deve ter tomado as dores de Antonio Cruz de quem é ligado política-religiosa e empresarialmente.
A jornalista registrou o B.O. na Delegacia de Polícia.
Machão, este candidato!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Manual de cultura inútil

FÉ DE MENOS

Minha fé não move montanha, a montagem não imita o original, as origens não são ilustres, os lustres estão apagados, o apagão não está descartado, o descarte foi errado, a errata estava certa, a certilha estava desarmada, a alma não está lavada, lavrada a terra não esperou a chuva, a chave não abriu a fechadura, a fechada não impediu a fuga, o fugaz não venceu a prova, o provedor derrubou o sistema, o sistêmico está incoerente, o incoercível espanou, o espanador não limpa a vergonha, a vergadura não cria a filigrana, o filiado não faz a militância, a militarização não faz a guerra, a guelra não respira fundo, os fundilhos estão rasgados, os rasgos amofinados, os amotinados se renderam, as rendas estão negativas, os negativos estão queimados, o queimão não é picante, o pecante não tem perdão, o perdedor não tem medalha, o medalhão perdeu o poder, o poderio desmoronou, a desmoralização atingiu o auge, a algibeira está vazia, a vasilha está fervendo, o fervelho estacionou, a estação está fechada, a fachada está pichada, a peixada estava crua, a crueldade não assusta, o assunto já não soma, o sumiço não faz falta, o falto está provido, a providência chegou tarde, a tarde matou o sol, o só continua desacompanhado, o desaconselhado está em prática, a prática é mera teoria, o teor é nada mais que o vazio, o vaso não tem planta, a planta não deu casa, o caso está mal contado, o conto não computa, o compacto não compactua, o compadre não se compadece, o comparado não comparece, o comparte não reparte, o repertório não repercute, o repentista não repete, a repescagem deixou fora, o forasteiro deu o fora.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Manual de cultura inútil

CRUZ CREDO

Vou rezar para que o frio deste ano seja menos intenso, o infenso a este plano seja menos tenso, o incenso deste pano seja mais extenso, o pretenso desengano seja imaginário, o salário deste mês seja pago em dia, a orgia desta noite ganhe o madrugada, a charada deste jogo seja decifrada, a escada deste aclive seja declinada, a estrada para o fim não tenha começo, o preço do produto não seja onerado, o onerário absoluto não seja incapaz, o tenaz resoluto não seja hesitante, o bastante necessário seja razoável, o arrazoado estanque sopese os sopapos, o bate-papo amigo não me morda a língua, a língua que se fala seja inteligível, o nível que se tira não seja tirano, o cano que se entra tenha uma saída, a ferida que se lambe seja desferida, o deferimento requerido seja concedido, o concebido espontaneamente seja consentâneo, o consentido compelido seja incompatível, o corruptível incorrigível tenha comiseração, o comissurante ativo seja muito mais altivo, o donativo anônimo não tenha dono, o sono relaxante não dê pesadelo, o pesadume crônico nunca recrudesça, o recruzetado espante seus vampiros, os papiros secretos revelem seu teor, as teorias exóticas ocultem seu temor, o tumor aberto feche sua dor, o calor flamante flame a inflamação, a inflação galopante esteja para sempre amansada, a maçada inopinada seja revertida, a investida arrevesada seja repetida, repetente contumaz seja jubilado, júbilo reprimido seja represado, retesado comprimido seja relaxado, relatório incompleto vá para o arquivo, esquivo incorrigível que entre na roda, moda antiga seja recobrada, cobranças reavidas permaneçam recobertas.

sábado, 31 de julho de 2010

Manual de cultura inútil

O TUDO E O SIM

Todas as coisas já foram ditas, todas as palavras já foram escritas, as fritas fartas, as cartas lidas, as feridas lambidas, as esquecidas relembradas, a estrada caminhada, a fada madrinha, a farinha do mingau, o bilau do batuta, a biruta do vento, o momento da passagem, a viagem interrompida, a comida e o comando, o somando e a raiz, o país e os pais, a paz e a paixão, a canção entoada, a piada antiga, a liga desligada, a escada e seus degraus, os maus e seus amigos, o castigo e o cavalo, o talo entalado, o calo encravado, o cravo e a rosa, a prosa e o prazo, o prezado e o presídio, o ferido e as cicatrizes, matrizes e filiais, matriciais e digitais, normais e extravagantes, berrante e boiada, bolada e imprevista, improvidente e precatado, alentado e desiludido, designado ou penetra, penetrado ou indevassável, tolerável ou agressivo, agregado e dissoluto, dissipável e indestrutível, indestrinçável e definido, definitivo ou provisório, provisionado ou bacharel, baixaria ou diversão, diverso e semelhante, semeado ou nativo, nativismo ou estrangeirice, estultice e inteligência, negligência e precisão, proibição ou conivência, conveniência ou embaraço, a braço e a brasa, abraço abrasivo, atrativo ou desalentador, desaninhado ou confortante, conformista e irresignado, irreprochável e reprimível,réprobo ou altivo, ativo e inoperante, insolente e moderado, modelar e excludente, exclusivo ou genérico, esférico e quadrado, enquadrado ou de improviso, previsto ou desacautelado, o tutelado e o tutano, o tucano e o mamão, uma mão e a noção, notação na estação, natação no rio seco, o beco e a saída, a medida e a meditação, a razão e a risada, o nada e o não.

Invertendo os valores

A mulher amanheceu acorrentada na grade de uma repartição pública no Aero Rancho. Quem assistiu a cena na última segunda-feira, não entendeu até que chegou ao local o primeiro repórter, acionado por um curioso. Ela acorrentou-se, passou o cadeado e escondeu a chave para chamar a atenção das autoridades e do povo em geral para o seu dramático problema familiar. Seu filho, um adolescente de 17 anos é o pivô de sua crise existencial. Mãe ocupada com a educação religiosa da família, busca com a atitude extrema e humilhante exposição da própria imagem, não alertar para o perigo dos descaminhos da modernidade, num mundo fragilizado pela ação devastadora das drogas, pela banalização da instituição familiar, onde pais e filhos disputam a hegemonia da discórdia, nem pelo descontrolado aumento da prostituição, cujas garras alcançam impiedosamente até crianças, pela pedofilia que, de forma avassaladora invade os lares pobres e abastados, como uma das sete pragas do Egito e, muito menos pela ausência de Deus, cada vez mais presente e mais sentida, no coração das pessoas, que se atiram com intensidade no imediatismo de soluções facilitadas pela artimanha do ódio, da inveja e do desrespeito à religião cristã. Esta pobre mãe de família quer apenas convencer o seu filho a desistir de ser crente.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Manual da cultura inútil

(DES)ENCONTROS

A gente se encontra lá no lado de cá do cabo, no cabide de emprego, no empreguiçar do ócio, no energizar do fóssil, no fosso da façanha, na facção dos fornicadores, fornindo a forquilha, forqueando os caminhos, no escaninho dos escombros, no escambo do escambau, no escamar da traíra, na traição do tirateima, na tração das quatro rodas, na rodada da semana, no semáforo apagado, no apego à desvalia, no desvalijar do vale, na vala comum da vila, no velejar do varejo, no vareio da derrota, no derrogar das conquistas, com os quistos da amargura, no amariçar das reses, com os reis e seus reinados, arruinado ou bem sucedido, suscetível à sucessão, sossegado ou na aflição, afleimado ou inquieto, desafeto ou parceiro, parcelado ou inteiro, inteirado ou enterrado, desterrar o destemido, desenterrar o passado, pressagiar a pressão, impressionar os impressos, imprensar a imprensa, impregnar o ambiente, ambicionar o hábito, habilitar a habitação, abiscoitar a bisca, beliscar o obelisco, beliche do bolicho, cochicho no bochincho, bochecha na buchada, na ducha de água fria, ao frigir dos ovos, na ovação aos vencedores, na veneta dos poetas, no poente com a lua, na rua com os pedintes, pedioso como o chinelo, chinchado ao despudor, desprovido de valor, na valise extraviada, no extravagar da estrovenga, estremunhado com o sonâmbulo, sonante com o metal, mental com a menta, a meta e a mentira, o mentecapto e seus seguidores, o segregador e seus segredos, o sagrado e o salgado, a saga e o sagaz, o sequaz e as sequelas, a sequência e a secância, a vacância e a vaca, a faca e o foco, a fécula e o fútil, o fute e suas danações. E na hora de pagar a conta a gente se desencontra.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Nós não podemos

Perto de quem come longe de quem trabalha, dentro do que anda fora do que encalha, palha pra quem tem fogo, jogo pra quem tem bola, sola para o sapato, rato para o resto, direto para o inferno, inverno para o verão, varão para virago, mago para magodo, apodo para o sobrenome, aspone para o chefe, magarefe para o açougue, azougue para o azoratado, azorrague no malcriado, pecado para o cristão, perdão para o pescador, calor para as madrugadas, estradas para o destino, meninos para a batalha, cangalha para o poltrão, porção para o porcageiro, dinheiro para o diário, fadário para o facundo, facultoso para o fecundo, feculoso para a farinha, faringe para a falácia, falario no farfalhar, falhar no recomeçar, recoltar a recompensa, recompor o recomido, recomendar o recomposto, reconciliar o conferido, confeitar a confeição, conferir o contagífero, contaminar o contato, contrastar o contralto, contramandar a desordem, desorelhar a auréola, aurir para o aurífluo, auricular para entender, entear e entediar, entelar e atrelar, atremar os extremos, extrospecção ao extrovertido, exturbar a estuporação, o estupro e o estupor, a estupidez e o estupendo, o estipêndio e a estiagem, estribeiras desatadas, desauridos desautorados, doutorandos doutrináveis, detestáveis detentores, defensores defectíveis, defasagens deducentes, definhado defervescente, deficiência defenestrada, definição deflagrante, flagrante flagiciado, flagelo flamejado, flamejo flamular, flavescente flauteação, flutuação festejada, fatiada factícia, fac-símile fictício, fichário ficcional, ficheiro funcional, funcionário funçanata, função sem fundamento, fundação fungível, fugiente fugaz, finalmente sem palavras.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Manual de cultura inútil

Quem não tem, tem

Gato com fome come farofa de alfinete, ginete sem lança avança no grito, cabrito com sede toma cachaça, praça sem sombra seara de grama, fama em declínio humildade sobeja, peleja perdida falta de sorte, morte instantanea destino indolor, sabor adstringente remédio eficaz, capataz sem peão aposentadoria, folia sem briga união da família, rodilha sem vasilha chapéu de lavadeira, madeira seca alegria de fogueira, goteira sem chuva luz natural, carnaval sem bloco boca sem dente, gente sem casa olhos da rua, lua sem luz viola sem voz, noz com semente arara sem fome, nome limpo bolso vazio, brio ascendente brilho apagado, soldado dormindo cidade tranquila, mochila na mão estrada de chão, pão comido pão esquecido, ganido no escuro medo no claro, preclaro no claro famigerado no escuro, muro alto segredo em baixa, caixa vazio freguês sem troco, soco no ar hematoma na cara da lua, rua deserta madrugada incerta, meia coberta frio dobrado, pecado original castigo capital, de degrau em degrau se alcança o infinito, o grito é a mensagem, a massagem é o meio, o seio está no meio, o feio está no reio, o pentelho está no relho, o conselho desaconselha,a telha está na teia, a meia está na malha, a palha está na pilha, a pilha está ligada, a tomada está ativa, a furtiva está na fita, a cabrita está no cio, o rio está enchendo, o remendo está rasgado, o recado não foi dado, o dado tem só três lados, o traslado é diferente, o indigente não diverge, converge o conversador, o conversor não converte, adverte o condutor, o cantador desencanta, não espanta o espantalho, ato falho não conta, ponta afiada não fura, cura apressada não sara, cara feia não machuca. Quem não tem cão caça com a caça.

sábado, 29 de maio de 2010

Manual de cultura inútil

Falar sem pensar é atirar sem apontar, é aprontar sem rematar, arrematar sem dar o lance, lancear a própria sombra, sombrear sem escurecer, escurejar sem apetite, apetir sem ter palpite, palpitar sem ter paixão, apaisar sem ter pincel, pinar sem ter parceiro, parcelar sem ser inteiro, interagir sem ter com quem, aquentar sem acender, ascender sem ter escada, escadeirar sem ter o ritmo, ritualizar sem ir à missa, missar sem fazer regime, arregimentar sem regimento, reginar sem ter o osso, ossificar sem ficar duro, durar sem ficar curado, curar sem ficar seco, secionar sem dividir, duvidar do indiscutível, discrepar do consensual, consentir com o dispensável, dispersar o espalhado, espelhar o refletido, reflexionar o ponderável, ponderar o imprevisível, prevenir o cauteloso, cauterizar o cicatrizado, acicatar o obcecado, objetar o rejeitado, ajuntar o aglomerado, glosar o recusado, recurvar o sinuoso, insinuar o insidioso, incidir no recidivo, recingir o transitório, transfegar sem resultado, restucar o acimentado, acimar o campeão, campear boi pealado, pelear com o derrotado, derrocar o derruído, derribar o aniquilado, niquelar o ouro, ouriçar o agito, agiotar o usurário, rasurar o maculado, mascular o afeminado, afemençar o vazio, envasar o esvaziado, esvanecer o extinto, distinguir o distinto, distrair o descuidado, cuidar do tutelado, titular o titular, titubear na indecisão, decidir o resolvido, revolver o revólver, revorar o confirmado, confinar o prisioneiro, pressionar o comprimido, encompridar o discurso, discorrer o ditado, dilatar ao delator, deletar o arquivo morto, mortificar os aflitos, conflitar os radicais, erradicar o radiano, irradiar o rádio e chover no molhado.

sábado, 22 de maio de 2010

Manual de cultura inútil

Como diz o ditado...

Mais feliz que bode embarcado, mais cheio que prato emborcado, mais firme que palanque no banhado, mais alegre que fantasma no Senado, mais saneado que finanças em Brasília, mais sacaneado que o Ciro Gomes, mais zoneado que a zombaria, mais acendrado que o amor de mãe, mais apoiado que a Dilma, mais enfezado que o Álvaro Dias, mais quebrado que a Grécia, mais furado que a pesquisa, mais suado que a camisa, mais danado que a gripe, mais ousado que o grampo, mais afiado que a guampa, mais apertado que a tampa, mais abominado que o trampo, mais espaçado que o campo, mais espessado que o pirão, mais pirado que o bicho, mais bichado que o bucho, mais embuchado que o baço, mais embaçado que o vidro, mais vidrado que a paixão, mais apascentado que a rês, mais resignado que a resina, mais rezado que o bendito, mais abençoado que a hóstia, mais hostilizado que o hóspede, mais hospitalizado que a fratura, mais faturado que a conta, mais contado que o conto, mais descontado que o salário, mais ensolarado que o solário, mais assolado que a sola, mais selado que o silo, mais encilhado que os arreios, mais arriado que a bateria, mais arreliado que a azia, mais aziago que a acauã, mais acuado que o foragido, mais aforado que o processo, mais desaforado que o possesso, mais processado que a nata, mais naturado que a planta, mais plantado que a semente, mais cimentado que a fé, mais fermentado que o pão, mais frequentado que a colméia, mas esquentado que a platéia, mais desvairado que a paulicéia, mais varado que a fera, mais ferrado que o boi, mais aboiado que bosta n’água, mais aguado que a cerveja quente e tem gente que acha pouco.

sábado, 24 de abril de 2010

Couro da correia

A santo que não conheço não rezo nem ofereço, a endereço desconhecido não mando carta comum, a zum-zum não dou ouvidos, a vencidos não dou a mão, a patrão não bato ponto, a tonto não dou estrada, na parada vou atrás, na paz vou à frente, da corrente sou um elo, do marmelo sou a casca, da lasca sou o espinho, do caminho sou a reta, da meta sou a metade, da verdade sou a versão, da visão sou o estrabismo, do abismo a profundez, do mês o feriado, do cerrado o guaviral, do pau a cangalha, da mortalha o morteiro, dos primeiros o do meio, dos cheios o vazio, do pavio a centelha, da parelha a correia, da ceia a sobremesa, da certeza a descrença, da desavença os rumores, dos temores o tremor, do clamor a comoção, da emoção o desdém, de quem tem o seguidor, do penhor o avalista, da lista o nome riscado, do passado o passatempo, do cata-vento o alísio, do incrível o crédulo, ao régulo regulo, ao fulo a flor, à dor a dormência, à demência a lucidez, da fluidez o fluido, do ruído a ruindade, da variedade o vário, do aviário o avestruz, da cruz o pelo-sinal, do varal a roupa limpa, das grimpas o horizonte, da fonte a água fria, do dia o entardecer, do amanhecer a aurora, da mora a morada, da manada o boi bandido, do ferido a aferição, da refeição o tempero, do desespero o despojar, do manjar o leite, do deleite o ócio, do fóssil o focinho, do domínio o dominó, do pior a piada, da virada o virado, do virago o sapato, do pato as patadas, das pitadas os apitos, do apisto o conforto, do porto o seguro, do puro o purê, do porquê o porém, do vintém o centavo, do escravo o escrevente, do valente o valete...

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Manual da cultura inútil

Quem muito fala dá bom dia a cavalo, no embalo quebra o galho, no atalho encurta o trecho, no queixo segura a onda, na sonda se aprofunda, na rotunda se protege, no herege se espelha, na parelha se reforça, na roça perde a semente, na corrente não se cansa, na esperança não se rende, do alpendre vê o infinito, no grito nem sempre ganha, na manha às vezes empata, da gravata nunca escapa, no mapa se localiza, na camisa se identifica, na pelica se acomoda, na moda dá o tom, no som ensina a dançar, no patuá leva a sina, do sino leva o dobrar, no bar afoga as mágoas, nas águas afaga o fogo, no jogo dobra a parada, na estrada senta à beira do caminho, ao vizinho conta vantagem, na miragem mede a distância, na elegância não convence, se vence não leva, na ceva não engorda, na corda não laça, na raça não segura, na fissura não passa, na praça não passeia, na ceia não sacia, na súcia se revela, na novela imita a vida, na corrida sempre volta, dá voltas e segue em frente, decadente perde o peso, surpreso não se admira, na mira não se retira, na pira não arde, no alarde não se toca, na toca tocaia o sono, do trono impera o reino, do treino tira o ágil, do ágio aufere o lucro, ao xucro doma, à soma diminui, reflui o reflexo, o complexo reduz, a cruz carrega, prega a palavra, lavra o sumário, ao primário pronuncia, ao prenúncio o desvio, ao pavio a chama, à trama o fuso, ao confuso o remo, do extremo a prudência, da cadência a harmonia, da sinfonia a sanfona, do cafona o cafofo, do mofo o abolerecimento, do aborrecimento a satisfação, na cloração a pureza, da incerteza o seguro, do puro o manchado, o fado e a morte. Assim é a vida.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Manual de cultura inútil

O mosquito da dengue não tem preconceito e se acha no direito de atacar até senador. O aedes egipt tem espírito republicano. Não pica por engano, não age por baixo dos panos, não procria em água suja e resiste ao fumacê. Eu prefiro ser picado pela mosca azul, mordido pelo pit bull a ser vítima de uma dengue por menos hemorrágica que seja, por mais fraca que possa vir, por mais falsa que seja ao sorrir, por mais devassa que esteja ao ficar, por menor que veja ao redor, por pior que aja ao melhor, ainda prefiro a paz das noites mal dormidas, a lamber as feridas não cicatrizadas, a errar as entradas permitidas, a caminhar as estradas sem atalhos, a carregar as espigas sem atilhos, a juntar todos os entulhos, livrar-me de todos os bagulhos, limpar os velhos bugalhos, mijar no assoalho, fazer cara de paspalho, espalhar os rumores mais atrozes, atroar os ruídos mais agudos, entoar os cantos mais antigos, enjoar os gostos mais contrafeitos, esboçar o gestos menos convencionais, convencer o mais cético dos mortais, acessar todos os portais, incensar os mais imbecis, inocentar os mais culpados, inculpar os inocentes, inculcar as preferências, proferir o resultado, resumir o arrazoado, rasar o razoável, presumir o ponderável, prevenir o imprevisto, improvisar o discurso, dispensar o recurso, dispersar a massa, massacrar o meio, casar em maio, rechear a meia, mediar o conflito, configurar a página, pajear a cria, criar um clima, climatizar o tempo, contemporizar a contento, contestar o descontente, descontar o deságio, desajeitar a rotina, desajustar o pacto, depenar o pato, desempenar a ponta, desempenhar o cargo, despachar a carga, jogar uma praga e pagar pra ver.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Que estado é esse, excelência?

Publicado na edição de hoje (19-02-2010) Correio do Estado:

Que estado é esse, excelência?

Sergio Cruz

O advogado Fábio Trad, em trabalho publicado no Correio do Estado (16-02-2010) volta a uma antiga discussão, envolvendo o nome do Estado. No arrazoado o ex-presidente da OAB, inicia uma cruzada que, pela inutilidade de sua aplicação, já virou folclore: a exigência de que sejam publicamente execrados todos aqueles que deixarem de acrescentar o DO SUL em nosso Mato Grosso. O exaltado jovem advogado começa por tentar diferençar Mato Grosso do Sul do Mato Grosso e a confessar-se humilhado quando alguém é flagrado economizando o nosso DO SUL, reconhecendo, por outro lado, a grande dificuldade que as pessoas encontram em pronunciar o Mato Grosso do Sul do começo ao fim.
Depois de uma sequência atabalhoada e veemente de considerandos, Fábio Trad, encerra seu longo artigo com o um brado de guerra: “...aquele que se referir ao nosso estado com o nome de Mato Grosso deverá ser imediatamente corrigido, sem receio de constrangimento, se possível, apupado respeitosamente com inspiração cívica, para, ao final, todos, de forma uníssona, a voz firme e cheia de orgulho, proclamando:MATO GROSSO DO SUL!”
O artigo do advogado Fábio Trad está pelo menos 30 anos atrasado. Ou seja, o trabalho tem praticamente a idade do autor. Como um dos fundadores de Mato Grosso do Sul, na condição de deputado estadual constituinte, confesso que nunca fui fascinado pelo nome que tivemos que aceitar em 1977. A proposta de Estado de Campo Grande me pareceu à época muito mais adequada, sobretudo, do ponto de vista topográfico. Outra coisa, o Mato Grosso do Sul, além de manter o vínculo com o estado remanescente, nos remetia à submissão regional de Sul de Mato Grosso da qual tentávamos nos livrar com a emancipação. Entendia que o processo divisionista deveria ser radical, inclusive com uma denominação própria.
Por fim, o Mato Grosso do Sul, além de difícil assimilação, em nenhum momento havia sido reivindicado pelo movimento divisionista. Historicamente não tinha nenhuma referência a não ser a de parte meridional de Mato Grosso. Vespasiano defendeu o Estado de Maracaju, Getúlio, quando em 1943 promoveu a primeira separação oficial, denominou de território federal de Ponta Porã. O Mato Grosso do Sul viria surgir apenas às vésperas da divisão, para desempatar uma disputa entre os que aceitavam ou não o Estado de Campo Grande.
Não houve uma discussão sobre o nome do novo Estado. Ele nos foi imposto pela pressa de dividir e por uma minoria saudosista que havia nascido matogrossense e queria morrer matogrossense. Isto não impediu que se assumisse a nova denominação. Durante os primeiros vinte anos integramos o coral dos intransigentes. Achávamos que corrigindo a quem nos confundia com o Mato Grosso, iríamos inculcar o Mato Grosso do Sul. Corrigimos, com impertinência, nos congressos, nas conferências, nos shows, nas reuniões políticas, nas competições esportivas, nas lojas, no centro nas periferias, onde houvesse alguém trocando o Mato Grosso do Sul pelo Mato Grosso. Tudo em vão. Quanto mais corrigíamos, mais as pessoas continuavam, sem maldade, esquecendo o nosso DO SUL, como ocorre até hoje, acendendo ainda que tarde a indignada chama patriótica do jovem dirigente classista.
Duas décadas depois, descobri que estava me expondo ao ridículo na tentativa de explicar que a gente era Mato Grosso ao mesmo tempo que não era Mato Grosso. Refletindo passei a buscar as razões pelas quais as pessoas não conseguiam assimilar a denominação adotada. Há uma tendência natural à redução de palavras. Nome de gente, cidade, estado ou país com mais de duas palavras passa por este processo de simplificação. No legislativo brasileiro, por exemplo, há uma exigência regimental do nome parlamentar que não pode ter mais que duas palavras. O gaúcho e o potiguar não se apoquentam quando seu estado é identificado apenas por Rio Grande. Ao contrário, orgulham-se disso. O próprio Mato Grosso do Sul, lugar comum, resume-se a um econômico MS. Simplificando, Mato Grosso do Sul é um nome indiscutivelmente bonito, sonoramente agradável, patrioticamente defensável e extensamente inassimilável.
O autor do artigo exagera quando considera “agressão, ofensa, humilhação, deboche,” o ato de, mesmo voluntariamente, alguém dirigir-se ao nosso Mato Grosso, sem o respectivo DO SUL. Não releva o fato de Mato Grosso ser a base de nossa denominação. DO SUL são apenas termos de diferenciação, logo, abominar o radical para enaltecer a flexão é, no mínimo, omitir as próprias origens da causa.
Longe de mim antepor-me à cruzada cívica de um jovem idealista que trinta e três anos depois decide desafiar a lógica e a insistir na imposição do nome de seu estado. Nada mais louvável. Apenas a preocupação de que, partindo de um personagem importante e de respeitável credibilidade, os apupos respeitosos “com inspiração cívica,” sugeridos por ele, descambem para o fundamentalismo de falanges discricionárias, inoculando ódio no lugar do debate sadio e estabelecendo dogmas no lugar da tese racional.
Da mesma forma que desconhece a impraticabilidade mansa e pacífica da denominação adotada por nosso Estado, o emérito jurista parece ignorar também a discussão sobre o Estado do Pantanal, proposta defendida por respeitáveis setores de nossa sociedade, como alternativa para um nome que não confunda, e que tenha estreita relação com a nossa história, geografia e economia.
Só há duas saídas para o impasse da denominação. Ou aceitamos um novo nome, próprio e apropriado ou assumimos o Mato Grosso com naturalidade. É ilusório, infantil e presunçoso acreditar que as pessoas vão aceitar o DO SUL de Mato Grosso na marra. Por fim, “Manoel de Barros, o maior poeta vivo do mundo,” eleito pelo articulista como a imagem padrão do autêntico homem de Mato Grosso do Sul, é cuiabano e, como eu, defensor do Estado do Pantanal.

SERGIO CRUZ (sergiocruz@viamorena.com)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Réquiem para um poeta que não morreu

Dá-lhe Délio!

O sol fechou os olhos e foi dormir seu sono, acalentar seu sonho, sonhar sua vida eterna, eternizar seu som, somar as sumidades, sumir da realidade, realegrar a platéia, plantar a colheita, coletar os dados, dedilhar o pinho, apinhar memórias, memorar o sucesso, suceder o suscetível, sustentar o sustenido, sustar o susto, assustar o assunto, assuntar os assomos, assomar às sombras, sobrar a sanha, assanhar a sede, sediar a copa, compilar o cômputo, computar as putas, putear os patos, patinar no pátio, patuá na bolsa, no bolso o maço, no moço a massa, na missa a miçanga, na micção as toxinas, na missão as doutrinas, na moção o pesar, no pesadelo o temor, no tremor o arrepio, na arrepia o bailado, no bailéu o falatório, no oratório a prece, na pressa a perfeição, na perfeitação o brilho, no embrulho o embaraço, no baraço o castigo, no perigo a razão, na ração o sustento, no tento a derrota, no vento o destino, no desatino o caminho, no carinho o deleite, no leite o apetite, no palpite o engano, no esgano a saída, na partida a chegada, na estrada o retorno, no returno as finais, nos fanais o seguro, no escuro os sentidos, no sentimento a traição, na tração o movimento, no momento o improviso, no imprevisto a suspeição, na suspensão a disciplina, na disciplina o saber, no sabor o bom gosto, no desgosto o desgaste, no desbaste o apuro, no puro a beleza, da certeza a dúvida, da dádiva a divindade, da vontade o querer, na querência o coração, na caução o fio de bigode, do pagode a poeira. O sol se pôs, mas sua música vai ficar dançando o rasqueado e o chamamé até a lua raiar.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Manual da cultura inútil

Quem não sabe o que é pornografia?


Quem pode estabelecer os limites da pornografia? O vereador, o prefeito, os pais, o dicionário? A fotografia da mulher de trajes mínimos no anúncio do telefone celular é pornográfica? A mulher nua na capa da revista para homens, o manequim em roupas de banho no magazine, o Adão, a Eva e a serpente peladões de Michelangelo na capela Sistina, o mendigo com a bunda de fora na esquina, o galo traçando a galinha no terreiro, o Ratinho falando palavrão na tv, o pastor endógeno, o padre pedófilo, os quadrinhos do Zéfiro, o show da Madona, o sorriso da Monalisa, a camisa do Maradona, a sanfona do Zé Correia, a baleia do twitter, a suite do presidente, a enchente do Tietê, as tietes do Faustão, a calvície do Falcão, a hipertensão do Lula, a bula do remédio, o tédio do ermitão, a onda verde da Barão, o pão que o diabo amassou, o peão que o touro amansou, a moção de louvor, a congestão nasal, o coliforme fecal, conforme está no edital, o movimento sem terra, as guerras do Barak Obama, os rompantes bolivarianos, as barbas brancas do Fidel, a fidelidade do corintiano. Pornografia é um axioma. Tanto pode ser um ato sexual público propriamente dito, com um simples dito popular. O que meus olhos veem um escândalo os seus podem não passar de um criativo nu artístico. O pornográfico é relativo. Tanto pode ser um coito a céu aberto, uma cópula a descoberto, como uma inofensiva masturbação mental. O vil metal, o cio mensal, o comensal, o desfile de carnaval, o animal do curral. Tudo é pornográfico. E eu sou apenas um sofrível pornógrafo.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Manual de cultura inútil

Criatura e criadores

Neste início de ano, por simples curiosidade, decidi, improvisadamente, fazer um balanço das primeiras invenções da humanidade. São obras inacessíveis aos seres viventes e até hoje inigualadas por suas peculiaridades. Invenções atribuídas a Deus, nosso maior criador e ao diabo, seu primeiro desafiador. A primeira grande invenção foi o Paraíso, a mais almejada criação de Deus e a segunda, o inferno, atribuída ao diabo. Em seguida, Deus gerou a vida, o demônio ideou a morte, Deus a sorte o diabo o jogo de azar. Para produzir o mel, primeiro adoçante natural, o Pai imaginou a abelha. Para contrapor a criatividade divina, lúcifer liberou o terrível marimbondo. Como predador natural das pragas, inventadas pelo diabo, Deus criou a vespa. O diabo, numa demonstração de força que subsistiria a todas as eras, formulou a barata. Para matar a fome do mundo Deus imaginou a mandioca, para devorar a planta satã esculpiu a lagarta, que o Criador transformou em inefável borboleta. Na corrida, o Senhor fez surgir os trigais, satanás, cruel e sagaz, despejou na lavoura uma nuvem de gafanhotos. Para predar os insetos dos diabos o Pai inventou o sapo e a cobra. Medonho, o demônio retrucou com a tentadora serpente, que haveria de transformar o Éden numa verdadeira zona. Mas o Criador não desiste e concebe a saúde. Caim, com mordaz inventividade, inocula o vírus da AIDS. Deus soprou o vento para rodar o moinho e o diabo, endiabrado, bolou o redemoinho. Por fim, o diabo fez o homem e arrependeu-se, e Deus, em sua infinita bondade, o assumiu.