sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A nexo

VOLTANDO ATRÁS

Sou dono do meu nariz, aprendiz de feiticeiro, o primeiro a reclamar. Quem chora é porque não mama, quanto mais mama mais quer, quem quer sempre dá um jeito de encontrar uma teta vaga, uma viga mesmo deitada, uma vogal mesmo muda, uma mudança de rumo, um ramo pra se benzer, um remo pra navegar, uma estrofe pra rimar, um remorso pra ruminar, um amor para esquecer, um edredom para aquecer, tudo de bom para aquiescer, um som para curtir, um curta para assistir, uma carta para avisar, um aviso pra sair, uma saída honrosa, uma honra em receber, um recibo assinado em branco, um negro assaltado no banco, um banco vazio na praça, preço maior que a inflação, dor menor que a inflamação, calor de quarenta nem corumbaense agüenta. Meu nariz não é mais aquele. Não decide seu destino, não destina seu querer, nada do que quer alcança e até mesmo a esperança está tendo que esperar. O tráfego de influência está totalmente congestionado. A ponte para quem indica ruiu, a fonte dos que ficam secou, o fundo do saco furou, o furor dos excluídos se alastrou, o tapete alguém puxou, o topete baixou sozinho e o solzinho da manhã não deu nem pra quem precisava. Devagar com o andor que o santinho é de pau oco, que o mouco está ouvindo, o louco lucidou, o lúcido endoidou de vez, a fruta madurou, a truta engoliu a anzol, a treta está armada e trota quem não galopa. Galo que não canta cai do poleiro. Sabiá que vai buscar capim perde o ninho pro chupim. Tudo pode ser resumido em um trocadilho infame, numa palavra que inflame, um enxame alvorotado, um exame negativo, um exímio jogador, um acérrimo arrazoado, uma razão para se arrepender. Eu, com certeza, não faria tudo outra vez.

sábado, 13 de outubro de 2007

CAPÍTULO I

DE VOLTA

O mundo é uma novela. Uma novela é um novelo, na vala da paixão, no vale de lágrimas, na vila imaginária, da imagem milagrosa, do milagre suspeito, suspensos os padrões, padronizados os refrões, refreadas as paixões, rareados os limites, limitadas as convenções, convertidos os ateus, invertida a moral, moralizado o bacanal, o bacana desmoralizado e todos felizes dez anos depois no último capítulo. O fim da novela é sempre o começo de outra. Começa na segunda termina na sexta. Sábado repete o final. Domingo a tv capitula. Não tem capítulo nem recapitulação. No lugar da outra ficção tem o Gugu e o Faustão. Bom mesmo era o Show do Milhão. Afinal, a televisão é apenas um eletrodoméstico como qualquer outro ou é a maior invenção do planeta? O Gutemberg inventou a roda. O Lula inventou o avião. Teria sido o Roberto Marinho o inventor da televisão? Há quem jure que foi o Edir Macedo. Mais cedo ou mais tarde, a quebra do sigilo fiscal, bancário e moral há de indiciar o vilão da novela, acender uma vela no rastro do delito, deletar os arquivos, deleitar os carecidos, encarecer o retorno, encarar o embaraço, desembaraçar os braços, abraçar o princípio, abrandar o precipício, precipitar o sorriso. Que seria do pranto certo não fosse o riso aberto, fechado às aflições, recoberto de emoções e movido a pretensão? Por que o mundo é assim tão chato? Seria a forma achatada da terra, a guerra e seus heróis, a guelra do peixe-boi, o boi bandido, o boss banido, o pós pago, os prós impagáveis, os pré-datados, os bem dotados, os mais notados, a nota vermelha? Não coloco a mão fogo, não arrisco a fé no jogo, não rogo nem renego, paro pra manter a calma, rezo pra salvar a alma, faço tudo pelas palmas ao galã de duas caras. Você anda assistindo muita televisão ultimamente.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Os fiéis

DONO DO MEU MANDATO

Sou fiel aos meus princípios, meio e fim, ao meu partido repartido, à minha parte no bolo, ao meu bolo de mandioca, meu pacote de pipoca, o retiro na biboca, a porção de paçoca, o esplendor da pororoca, o temor à voçoroca, o instrumento que se toca, o momento de prazer, o prazo para pagar, o colírio pra pingar, o delírio pra gozar, gozar o feriado, o mugunzá requentado, o ganzá agitado, o ganso ensopado, o guizo sacudido, o saco sem fundos, o fundo de pensão, a fenda na barragem, o fim do mundo. Afinal, de quem é o mandato? É do partido que elege, do candidato eleito ou do eleitor que vota por um discurso bem dito ou um bendito par de botas, uma promessa de bosta, uma posta de alimento, elemento essencial, essência natural, exigência duvidosa, dúvida não esclarecida, dívida multiplicada, dadivoso amanhecer? Sou fiel aos meus, os seus não sei, aos seus não serei. Fiel por lei, lei da fidelidade, dura lex. Lei do cinto de segurança, do cinto de castidade, lei de Deus e lei do diabo, do pepino, do quiabo, do menino, do mancebo, do que dorme cedo e acorda tarde, da labareda que arde, do covarde e do ousado, do usado e do novo, do povo e do indivíduo, do indiviso e do fendido, do fedido e do fragrante, do flagrante e do remoto, do remorso e do perdão. Sou fiel ao mel e ao fel. Ao mel que lambuza, ao fel que se obriga, ao céu que abriga, à briga perdida, a braga rompida, a braguilha aberta, abertura indiscreta, fechadura emperrada, fortuna enterrada, fartura interrompida, gosto estragado, estrago reparado, encargo completado, completo abandono, completamente errado, erado no tempo, ajoelhado no templo, chegado no campo, suado no trampo, fechado com tampa, estampado com selo, selado com zelo, zerado outra vez, rezerado. Enquanto a lei não é regulamentada vou sendo fiel à minha infidelidade.