sábado, 29 de setembro de 2007

Acidental

OFICINA
(nos vinte anos do acidente de Goiânia)
O liquidificador de hélices novas solidifica o líquido. Liquida a essência natural a lâmina mortal do trator esteira, estirando na impiedade do operador, a morte dos guavirais, o extermínio das capivaras, o silêncio da seriema, a rarefação do ar, a intensificação do aquecimento global. O globo da morte e suas motos amestradas, sincronizadas, dividindo harmonicamente o espesso espaço da vida. A nave rompe a camada de ozônio, zoneia o espaço celeste, celebra a conquista do universo, babeliza dialetos e línguas, reduz planetas inteiros a simples satélites, simplifica constelações, desvenda mistérios sondáveis. O motor adiabático hiperflex, multiuso, gasolina, etanol, biodiesel e bosta de bode, arrosta as curvas da rota e arrasta o mundo com seus HPs. O velho tear tece sem pressa no ritmo dos pés vestes vistosas que logo são andrajos vestindo andarilhos. O jovem PC com tela lcd, hd de mil gigas, memórias infindas, monitor de tv, em standby na fila do beckup. O pickup inservível, servindo de peça de museu, ainda toca o lp e até o disco de 78 rotações. Toca ao passado, passa batido, perde o sentido, ressente o antecedente, precede o futuro, procede o presente, prossegue, tropeça e na pressa, não aprende parar e pira de vez. É a vez do monjolo dançar no ritmo das águas, subir e descer, bater e amolecer, arrefecer a fome, amortecer o choque, compensar o cheque, contentar o chefe, dar o xeque-mate, matar a saudade dos tempos de roça, de vidinha ruça, no tempo e na raça, na reza pra chover, não pagar para ver. O mais pesado que o ar, arquejando autonomia, voando acima do condor, imponente, conduzindo gente, indiferente aos perigos do infinito ínfimo, atravessa o céu no seu vôo mágico, capaz de prever as próprias tragédias. Um anacrônico aparelho de radioterapia, aposentado pelo desuso, mumificando em seu sarcófago sagrado, violado libera o césio 137, a maldição da máquina.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Confissões

DE AMOR E DE ÓDIO

Do que amo o que mais quero, do que quero o que mais sei, do que sei o que mais desconheço, do que desconheço o que menos mereço, do que mereço o que não agradeço, do que agrado somente o começo. Começo sempre no meio, como primeiro o recheio, somo só o lucro, tomo somente o suco, saco o lance, engulo seco, encho o saco, mexo os pauzinhos, pauso o play, conto o causo, caso os detalhes, acuso o acaso, escuso o descaso, caso e descaso, calço e descalço, descasco o abacaxi, abaixo aqui e ali, aquilato o saldo, saúdo o rival, rivalizo o igual, igualo o diferente, defiro o impróprio, me aproprio do alheio, me alheio dos fatos, amealho antipatias, ameaço romper, rompo a ameaça, misturo a raça, afugento a caça, caço chifre em cabeça de cavalo, a pé ou a cavalo, cavalheiro vou tocando meu berrante, soltando meus berros, trançando os bilros, amansando os burros, amassando o barro, acelerando o carro, carreando prejuízo, perdendo o juízo, ajuizando a ação, acionando o síndico, ovacionando o cínico, ovalando o cilindro, revelando o segredo, decretando o degredo, aceitando o agrado, atraindo o malgrado, traindo o amigo, causando desgosto. Assim é a vida, sem tirar nem por, chorar e sentir dor, carregar o andor, descarregar o peso, libertar o preso, apressar o passo, passar despercebido, passar a bola, depreciar o belo, desviar a bala, rasgar a bula, resgatar o ritual, aceitar o trivial, açoitar o diverso, acoitar o adverso, alcovitar as amizades, subornar o justo, justificar a culpa, inculpar os retos, desculpar os ímpios, parear os ímpares e empatar a partida. Do que odeio nem cabe aqui.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Epopéia

GORANDO

A Via Láctea é lactante, latente, visível a olho nu, acessível a todos os poetas, previsível aos profetas. A Via Láctea é obvia, mas não infinita. Tem começo, meio e fim. É como o arco-íris com suas cores indecifráveis, infláveis, biodegradáveis, suaves, saídas do chão, caídas na mão, escolhidas a mão, manuseadas com os olhos, olhadas com desdém, desenhadas com a luz dilúcula do entardecer. Antes tarde do que nunca. Nunca é tarde para ligar a lâmpada do final do túnel. Sempre há uma última gota no fundo do tonel, um camisa dez no plantel, uma pauta em branco no papel, uma flauta doce na sinfonia, uma malta aberta à desordem, uma mata fechada, uma fachada suspeita, uma meta não alcançada, um mito desfeito, um moto em falso, um mútuo refeito, o defeito insanável, o insano agressivo, o engano não explicado, a explicação difusa, a difusão confusa, a confusão generalizada, a honra desvirtuada, as horas paradas, a parada obrigatória, obrigado a calar, abrigado do frio, afogado no rio, perdido na rua, achado no palheiro, emparelhado na raia, raiado na barra, barrado no baile, birrado com o burro, burradas a parte na parte que me toca. Não há santo no inferno mas há flores no inverno. Não há mal que sempre dure. Nem o firmamento é eterno. O terno nem sempre é estimável. A estima estigmatiza. O astigmatismo afigura a imagem. A imaginação é uma ave de quatro asas, uma rua sem casas, uma casa sem piso, uma pisada na bola, uma bolada perdida, uma perda irreparável, uma reparação compelida, a compleição natural, a perfeição desejada, os desejos frustrados, os frutos maduros, os furtos abjetos, os objetos em desuso, o useiro e o vezeiro. As palavras são uma ciência exata.
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sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Via Sacra

GERINDO
Um sem rumo sem prumo, sem sumo, impróprio para consumo, próprio pra confundir, direto dos cafundós, repleto de dó, completo de dor, perplexo diante do, circunflexo perante o, reflexo de conflito, espectro de medonho, espectador enfadonho, despertador importuno, devagar e nem sempre se é assim que tem que ser. Não sei você, mas se depender de mim, vai continuar a dependência, a desavença, a descrença, a repetência, a incompetência, a indiferença em suas mais diferentes versões, os versos e suas impertinentes versificações, as verificações e sua imutável rotina, a diversificação e seus repetitivos tons, a verticalização horizontal, o vértice em vórtice, a sorte às avessas, as promessas vazias, o vaso esvaziado, o vezo imitado, o viso alquebrado, o visto negado, o Cristo traído, a crista caída, o cristal quebrado, o mistral rarefeito, o suspeito do crime, o recheio impreciso do creme, o enleio profundo do fraco, o teor duvidoso do frasco, a cor cinza do afresco, o desconforto do aprisco, o latejar do quisto, o escorregar no xisto, o apagar das luzes, o detonar das bombas, o ribombar sombrio dos bombos, o ressoar sem brio dos tolos, a ponta aguda dos talos, o molestar dos calos, o calar dos justos, contabilizar os custos, desdoirar o casto, emborcar o cesto, desembocar o rio, desbocar o riso, desfocar o raio, destoar o ritmo, destronar o rei, vegetar no reino animal, vergastar o inimigo mortal, imortalizar o castigo eterno, entronizar a mediocridade. De vez em quando é bom parar pra pensar.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Mea culpa

GERANDO
Um grito grato e cheio de razão desengravida a prenhez prenhe de esperança. Um belo nome, uma baita fome, uma luz no final do túnel, um beco sem saída, uma mão que saúda, uma saúde de ferro, uma vontade ferrenha,uma saudade indolor, uma maldade incolor, as cores eternas de um minuto de felicidade. O sorriso é a chave do paraíso, para isso é preciso precisar e ser preciso ao pedir e ao negar, regatear ao negociar, negacear ao entregar, intrigar o intrincado, destrinchar o embaraçado, embaçar a polidez, polir as grades, subir ao grid, remover o grude, descolar a grana, tomar até ficar grogue. Quem pode pode, quem sobe desce, quem cresce diminui, quem flui retrocede, quem cede recupera, quem supera surpreende, quem separa simplifica e sempre fica inferior. Nada como um dia atrás do outro, outras manhãs sombrias, outras tardes entediadas, outras noites assombradas pelas sombras do passado, pelas sobras da ração, pelo raciocínio lógico, pela lógica do caso, a casualidade do encontro, o desencontro das partes, a repartição do porte, a liberação das portas, a emissão ao portador, a remissão dos pecados, a rendição dos pacatos, a rescisão dos contratos, a consolação dos contritos, o pactuar dos conflitos, o patuá dos aflitos, o comungar dos fiéis, o viés do caráter, os caracteres da impressão, as impressões digitais, as imprecações vulgares, as imprecisões normais, as normas legais, as formas definidas, as formas modelares, os fornos aquentados, as furnas recônditas, a certeza da morte, a única certeza.

domingo, 16 de setembro de 2007

Cactus

GERUNDIO

GERUNDIO

O espinho que fere a mão desavisada é o mesmo que avisa à planta da presença do predador. O odor da flor, a dor do espinho, o calor do carinho, sozinho ou seguido, ferido ou curado, parado ou seguindo, pedindo ou negando, chorando e sorrindo, cantando a canção dos mortos, respeitando a direção dos fortes, reportando a ambição dos fartos, reputando a transgressão dos furtos, refutando o reajuste do preço, a importância e o desapreço, o endereço e o incerto e não sabido. Quem não sabe, ignora, quem ignora sabe o que está perdendo, perde-se e ganha, se bate e se apanha, se divide ou se apinha, divida-se, endivide-se e na dúvida ultrapasse. Do lado de lá não é possível saber de que lado a gente está. Se no certo ou no errado, no erado ou no recente, no recinto ou no espaço, no espaçado e no espesso, no convexo e no côncavo, no aconchego e no sereno, serenado e no agito, ágil, frágil, durável e perecível. Parece mais ou menos, parece mas não é, pereceu mas não foi, apareceu, não foi notado, anotou e esqueceu, esfriou e aqueceu, aquiesceu e se deu mal, maldisse mas não pegou, pagou e recebeu, recobrou o sentido, sentou na jaca, acertou uma joça, aceitou o resultado da resolução recente e ressentido recolheu-se à sua insignificância, até entender que nunca passou do menor tempo do verbo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

A história se repete?

À MARGEM

A cena política brasileira me deixa perplexo. O espírito de corpo da classe política, o espírito de porco dos políticos, a política sem classe, as lições não aprendidas na classe, os temores eximidos, o furo n’água, os clamores olvidados, os ouvidos moucos, o soco no ar, os ares conspurcados, os olhares apáticos, o silêncio tático, a sessão secreta, o voto secreto, o veto vetado, o vulto sombrio de uma crise sem sombra de dúvida. Meu próximo voto vai ser aberto, arreganhado, para que todos saibam o que eu deveria saber, para que ninguém duvide do meu saber e me convide para acertar sobre os rumos da prosa, os ramos da planta, os remos da canoa, a rima dos versos, o verso da página, o reverso da medalha, o conserto da falha, a meiguice da feia, o afeto da filha, o viço da folha, o vício entranhado, o estranho no ninho, o ninho de cobras, o aprisco de cabras, o cabra da peste, a peste inoculada, a virgem maculada, a vertigem cabal, o cabide de emprego, o cabedal do currículo, o círculo vicioso, o cálculo renal, as renas do Papai Noel, as cenas de horror, as penas do condor, o penar do cantador, o empinar das patas, o acreditar em petas, o cerrar das portas, o colorir das tintas, pintando os canecos, armando o barraco, embarrancando a ladeira, ladeando o líder, liderando jogadas, jogando na sorte, tirando de letra, escrevendo e não lendo, revendo o futuro. E o presente? Não terá sido melhor o passado com seus antigos ativos e desativados? Da próxima vez também vou me abster.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Pé na estrada

SEGUINDO

Há ainda uma longa estrada a percorrer, uma interminável escada a descer, uma ladeira íngreme para subir, uma esteira estirada para deitar, uma história comprida para contar, uma promessa cumprida a cobrar, uma cantiga antiga para cantar, uma fadiga crônica para curar, uma medida extrema a tomar, um estigma a desfazer, uma estima a refazer, uma prima a afinar, um afano a evitar, um ufano a proclamar, uma proclamação de triunfo, um trunfo a descartar, um descarte decisivo, uma decisão fatal, fatalidade letal, fertilidade fetal, formalidade expressa, fornicação repulsiva, futilidade geral. A curva é quem dá forma ao anzol, a nuvem é quem transforma a luz do sol, o rol é quem dá ordem ao pedido, o perdido e o achado, o plano e o achatado, o chato e o prudente, o por dentro e o alienado, o sedento e o saciado, o saci pererê, a mula-sem-cabeça, as pernas curtas da mentira, o fio de barba do tratado, o trato nos fios de barba, o prato cheio, o pato feio, o relho do arreio, o arreio do rei, os raios de luz, os rios poluídos, as ruas desertas, as luas sonolentas, os lares desfeitos, as luzes apagadas, as cruzes anônimas, acrônimo de amor e paixão, sinônimo de acérrimo, antônimo de acréscimo. No contexto, eu seria apenas o reverso de um verso.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Umidade relativa doar

PLENILÚNIO

As aparências não enganam, as experiências não ensinam, as pendências não pendem, as tendências contaminam, as carências encarecem, as estradas determinam o rumo a não seguir. Não sei se sigo, se paro, se caro não compro, se barato não vendo, no claro não vejo, no escuro só vendo, sorvendo as sevícias, tecendo as premissas, premendo o saber, sabendo o possível pra subsistir vai-se levando, louvando levezas, lesando terceiros, legando pobreza, ligando a esperteza, logando a tristeza, alugando a cabeça dos incautos, alegando cansaço, alijando embaraços, embaraçando o baraço, estendendo os braços para o céu-da-boca, abocanhando as sobras do mel, melando o jogo com a carta marcada, marcando o logo com uma vela apagada, apagando o fogo com uma gota d’água, afogando as mágoas com com uma brasa viva, revivendo a vida com indiferença, reavendo a lida por necessidade, lambendo as feridas, ferindo a fera indefesa, inferindo a frase feita, indeferindo o pedido, pedindo pra não ficar, fincando o pé pra não sair, saindo pela emergência, emergindo da fumaça, fumegando pelas ventas, soltando ventosidades, ventando verbosidades, inventando a roda, recriando a moda, replantando a muda, mudando o roteiro original, originando a dúvida, dividindo o dote, adotando o filho, admitindo a falha, queimando a folha, folheando o livro, livrando a larva, lavrando o solo, lavando a alma, louvando o Deus que me resta.

domingo, 9 de setembro de 2007

Conjugação

FUTURO DO INDICATIVO

Esta era pós-industrial já era. Vou fazer um becape e logar um lugar ligado ao pós-web, sem msns, e-mails, bonitos e feios, adornos e recheios, senhas e sinais, hackers e vírus, spams e zips. Vou arquivar a banda larga, zapzapear meu site, encostar meu zip socket, mandar pra lixeira o txt, o provedor, o servidor, a conta de luz, o imposto de renda, os pontos de venda, as vendas online, o playlist, a notícia em tempo real, o dólar, o euro, o real. Desativar a contagem dos kbps, as comunicações assíncronas, as LANs, o language processor, o laptop e o velho studebaker. Deletar o DNS, o Inss, o icms, o mpeg, pegar o gif pelo rabo, dar cabo ao galliun arsenide, roubar peças do robô, escanear o futuro, sacanear o Bill Gates, silenciar para sempre o vale do Silício. A pós-web será uma era sem eira nem beira, com café quente na chaleira, taças de chope, sem chips na placa, inter-record gap no intervalo, caixas comutadoras, conversores digitais, dígitos a mais, mais ou menos analógicos, anacrônico html, dispensável upgrade, superável update, imemorável download, imprestável upload, detestável URL. A era pós-internet será o caos remunerado, o ócio renumerado, o número adulterado, o adultério combinado, o aborto legalizado, o homicídio descriminalizado, o crime permitido, a permissão cancelada, a cancela semi-aberta, a abertura sofrível, o sofrimento saudável, a saúde indestrutível, a destruição tangível, o fim da poluição, a emoção sem fim, finalmente a luz do sol barrando o arrebol. O início da nova era será a primavera. A primeira coisa que vou fazer é demitir meu webmaster.

sábado, 8 de setembro de 2007

Manifesto

NEO-OBSOLETISMO

Meu estilo, estiolado pela estiagem de erudição, é um estalo. Gera-se, geralmente, em generalidades. Um estalido atávico, ataviado por termos infundáveis, uma infinda fieira de palavras sem nexo, reflexo da demência que assola da sola à cachola, da irreverência que rola, faz escola, escala a parede, estala o ovo, escala no vôo, escalada pro jogo, sapecada no fogo, sopesada na corda, acordada do sono, somada ao total, totalmente anormal, geralmente animal, dificilmente animado, comumente inanimado. Meu estilo é uma estola que dissimula a verdade, reverbera ilações, verbera versões, verseja o inútil, utiliza jargões, inutiliza padrões, padroniza a cupidez, encomprida a conversa, desconversa, desconecta, desconta, desconfia, desafia, desafina, afronta, desafronta, perde a conta, desaponta, aponta o descaminho, caminha na ponta da faca, cai ao peso da saca, sobrevive de patacas, sugere patacoadas, infere estupidez, interfere no bom senso, sanciona o sensacionalismo, seleciona o anacronismo, sintoniza o obsceno, obsta o lugar comum. Meu estilo é um estímulo à ignorância substantiva, à arrogância verbal, à verbalização adjetiva, à petulância fonética, à ambigüidade formal, às formas mais corriqueiras, às normas menos normais, aos nomes mais singulares, às notas mais dissonantes, às rotas mais sinuosas, aos sinos mais badalados, as sinas mais catastróficas, os sinais todos fechados, os fechos todos abertos, todos becos sem saída, as feridas inflamadas, as cantigas enfadonhas, as notícias infundadas, a malícia difundida, as defesas combalidas, as despesas desmedidas, as receitas bloqueadas. Meu estilo não existe. Meu estilo é um ex-tilo.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Cívico

FERIADO

Vamos deletar o texto, criar o pretexto, afinar o protesto, juntar os restos e desfilar as liberdades plausíveis, aplaudir os guardiões de nossas liberalidades permitidas, permitir as conjunções verbais, verberar as permissões permissivas, permanecer intato, com teto, sem tétano, a título de, com o total calculado e o tutano total. Não é hora para chorar o leite derramado, o peixe escapado, o cheque não compensado, o chique não alcançado, o choque desprevenido, o chute da bola na trave, o agudo e o grave, o grave e o informal, o útil e o desagradável, o biodegradável e o saco plástico, o descartável e o bem durável, o reciclável e o lixo nuclear. Quando não se trabalha, se desfila em fila a folha corrida, a falha corrigida, a filha adotiva, os dotes inatos, os ditos inúteis, os dutos fechados, as putas fichadas, as portas abertas, as pernas cansadas, o pito apagado, o pinto incitado, o pato caindo, o peito caído, o preito indeferido, o trejeito suspeito, a prova dos nove. Desfile seu ódio, desfolhe seu tédio, encubra seu fraco, esvazie seu saco, engula em seco, desfeche um soco, saboreie este suco, sucumba diante das provas ou prove o contrário. Contra a força fraca o argumento forte, contra o forte a sorte, o corte a sutura, a corte o capricho, o lixo o asseio, o assado o assim, o afim o desafinado, o fim o começo, o começo do fim. Afinal, nós viemos aqui pra ver o desfile ou pra desfilar?

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Sem querer

CHEGANÇA

Não ponho minha mão no fogo pela verdade do Lula, a vaidade e a gula, o abade e a mula, a validade da bula, o milagre da cura, a caridade papa, a substância da papa, as evoluções da pipa, a revolução do pop, os juros da poupança, os jarros de flores brancas, os jorros de águas mornas, os giros que a terra dá, os jiraus que dão altura, o sabor da aura pura, o papel da capa dura, a durabilidade da fé, a fé que move montanha, a boa-fé e a patranha, o medo e a façanha, o que bate e o que apanha, alisa e arranha, amolece e assanha, a sanha e a sina, assina em baixo, em cima e embaixo, na tina e no tacho, no facho de luz, no feixe de lenha, na ficha do caixa, na caixa econômica, na economia formal, na forma da forma, no forno apagado, na furna escondida, no esconso tranqüilo, no trapo emendado, na trempe segura, no triplo assegurado, no tropel da tropa, no troféu da copa, da proteção da capa, nas reinações do capeta. Eu creio no que não vejo, leio o que não foi escrito, do feio faço bonito, do bonito faço a cor, desfaço a dor, adormeço. Acordo de acordo com os acordes dos pardais, levanto com o sol levante, na rota traço a rotina, na reta faço os atilhos, na curva os atalhos, no lixo o entulho, na madeira o entalhe, no arquivo o encalhe, na falha o conserto, na sala o concerto, na tese o conceito, nas fezes o exame, nas fases a força, nas faces o vigor, na frase o clamor, no fisco o rigor, no friso o louvor, no fuso o horário, confuso, confesso, este itinerário entre o sair e o chegar. Por onde saio?

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Meus tipos inesquecíveis

CONSELHEIRO ACÁCIO

Conclusões acacianas: todos os rios correm pro mar, todos os mares marulham, todos os fogos fagulham, nos jogos perde-se ou ganha, na manha fica mais fácil, difícil é levantar de manhã com o pé direito, não pisar na bola, não dar bola pro azar, não assar e nem cozer, rasgar e não coser, cozinhar em fogo lento, soprar com a força do vento, cem por cento natural, outro tanto cultural, com um misto de caboclo, um pouco de castiço, casto de malícia e sem pecado original. Sempre que não me acho recorro ao conselheiro Acácio. Ele é óbvio, mas é sábio e conserva em seus alfarrábios saberes acumulados do futuro e do passado, como se fosse a própria ciência, ciente até do casual, semente do bem e do mal, temente a Deus e ao diabo, carente que nem criança, corrente que nem boato, parente igual pai e mãe, torrente tal multidão, torrado tal qual rapé, parado feito um mané, encimado num boné, mal passado como um filé, mais alegre que pinto em merda, mais faceiro que bode embarcado. Se fosse uma flor o Acácio talvez não fosse uma cássia. Está muito mais pra maria-sem-vergonha ou mesmo bem-me-quer, flores que dão no chão, rosa, jasmim, lírio, margarida, favoritas, preferidas, coloridas, perfazendo buquês, perfumando ambientes e ataviando ataúdes. Há flores para tudo, para abelha e marimbondo, para são e moribundo, raso e fundo, vazio e profundo, franzino e rotundo, serenado e furibundo, diligente e vagabundo, pro começo e o fim do mundo. Este é o Acácio, qualquer dia desses quero lhe apresentar o Sabino, bom menino.

sábado, 1 de setembro de 2007

Vocações provisórias

POR POUCO

Eu teria sido um poeta se tivesse rimado a estrofe e completado o soneto. Quebrei o pé do verso, inverti o mote, perdi a glosa e o que seria poesia virou prosa. Admirável mundo dos repentistas. De repente, um repente em linguagem coerente, com pingos e acentos, movimentos ritmados, temática recorrente, gramática concernente, inspiração desconcertante, um concerto a céu aberto, conceito de errado ou certo, de longe e perto, latente ou desperto, patente ou incerto, ligado ou disperso, único ou diverso, côncavo e convexo, do universo e da tribo, estribado no estilo e no estalo, em estado de graça, no humor e na desgraça, no salão e na praça, no peito e na raça, como vier. Não sou poeta e muito menos repentista, mais ou menos contador de velhos contos, cantador de moda nova, encantador de serpente, enquanto a dor que se sente se vai no vai-vem da voz. Nem tanto que não possa ser tudo, nem tudo que não possa ser mais. Sou apenas um rapaz incapaz de viver em paz comigo. Mal consigo a solidão de um rosto na multidão, o anonimato de uma folha seca no mato, a insulação do prisioneiro, o desespero do desempregado, o destempero do inebriado, o apelo do excluído. Quisera ter sido um poeta de verdade, mas na verdade, não sei sequer entender os poetas. O que estará fazendo Manuel Bandeira uma hora dessas em Pasárgada? Em que lugar do Pantanal, Manoel de Barros aprendeu seu formigues? Que fim levou o Barbosires? Qual é o fim disso? Ninguém é poeta por acaso. O que diz o profeta não será alvo de pouco caso. Poesia e profecia tem tudo a ver. Ambas acham o fio da meada, o atalho na estrada, o estrado da verdade, o estrato da contabilidade, o extrato da essência, a rescindência do contrato, a reincidência do mal-trado, o dano do malbarato, o danado do saber que me falta. Ah, se meu pai tivesse tido a inspiração de fazer poesia...