segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Devolução

DE VOLTA

Insanidade tem cura. Quem procura nem sempre acha, a sorte enxerga, a justiça não é cega, a premissa é sempre falsa, a farsa nem sempre engana, a força emana do fogo, a fuga advém do medo, medra o capim no pasto, o pastor guarda as ovelhas, o castor as avelãs, a lã tece o cobertor, o fã interpreta o ator, o guarda interpela o infrator, o pele vermelha escalpela o invasor, o cara pálida se refestela no papel de mocinho, na capela o coral canta à capela, na lapela um cravo vermelho, no espelho uma imagem desfocada, a conta bancária desfalcada, uma facada nas costas, uma fachada atraente, uma traição perdoável, uma atração resistível, tração nas quatro rodas, torção no joelho, tostões na poupança, alta tensão, tesão de urina, buzinas silentes, solerte atitude, testemunha conteste. O começo, o meio e o fim estão invertidos, convertidos em fim, começo e meio. No começo os meios não justificam os fins. No fim, meio e começo têm o mesmo fim. Assim vai-se banalizando a vã filosofia, o vau do rio, o vão da porta, o cais do porto, o caos universal, o inverso natural, a torcida na geral, o líquido total, a liquidação final, finalmente anunciada, amaciada pelo preço módico, modificada pelo apreço pródigo, protraída pelo crédito fácil, facilidades inéditas, futilidades indébitas, débitos e saldos, soldos solventes, sorvete de leite, lata de cerveja, cereja em calda, caldo de piranha, picanha na brasa, abrasado amor à primeira vista, horizonte azul a perder de vista, vistas grossas para o fracasso, vastas expectativas de sucesso, sucessivas e gradas lembranças. Quase uma loucura.

domingo, 18 de novembro de 2007

Distâncias

FUI

Caranguejo é quem anda para trás, quanto faz, o importante é chegar lá, mesmo que lá esteja além do muro, aquém do futuro, a quem possa interessar, de quem possa depender, quem pode pode, quem não pode finge ou foge. É assim mesmo, aqui mesmo, o mesmo banco, mesmo que o caixa não pague o seu cheque, que um cheque-mate interrompa seu jogo, um balde de água apague seu fogo, seu rogo não alcance o milagre, sua logo se perca entre as marcas, suas parcas chances se esgotem, sua pouca coragem não ouse, vai que ainda é melhor que voltar. Limpe a sua ficha, feche sua guarda, guarde seu segredo, segregue seu lado bom, sonegue seu imposto, renegue seu passado, prorrogue sua dúvida, duvide das dádivas, divida o passivo, passe a vez. Vez por outra esqueça que existe dor, desaqueça seu calor, aqueça seu clamor, reclame seu direito, proclame seus defeitos, defenda-se dos rejeitos, rejeite o fato consumado, aceite o prato mais consumido, apareça se estiver sumido, desapareça se estiver sendo procurado, procure se tiver curiosidade, cure se tiver o remédio, remedeie o incurável. A incúria é o segredo do fracasso. O primeiro passo é o destino das grandes jornadas. As distâncias são menores quando medidas pelo pensamento. Penso, mas certamente existiria da mesma forma, teria o atual formato, curtiria o barato, cumpriria o trato, tiraria um retrato, retrataria o fato, apuraria o olfato, evitaria o assalto, saltaria o pulo do gato, soltaria o grito mais alto se não tivesse que pensar no pênsil da ponte, no monte de títulos a quitar, no que tenho de saídas a encontrar, nos desencontros a contornar, os contornos a atalhar, os atilhos a amarrar, os entulhos a preservar, os entalhes a gravar, os detalhes a expor, a exposição de motivos, a motivação da paz, a cavação das pás, a justificação do pós, a obsessão pelos prós, do venha a nós sem os nós, na foz do rio mais largo, no cargo mais importante, na porta mais segura, na secura mais cruel. A gente segue em frente até que a morte nos separe.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Amplexo

PONTO & VÍRGULA
A reta pode ser o caminho mais distante entre dois pontos. Nem tudo é relativo. O relato, o retrato, o retrátil, o refratário, o santo no oratório, o orador no parlatório, o doador no hemocentro, o pai-de-santo no centro, o coentro no condimento, a previsão do tempo, a provisão do templo, o exemplo de retidão, a retenção da ganância, a gana por grana a mais, a paz na mira da arma, almas penadas deambulando, diatribes contestando a contextura geral, tribos se inserindo na conjuntura atual. Tudo absolutamente fora do normal, ilegal e nutriente. Quem não chora não mama, quem não mima não nana, quem assobia não chupa cana. A lei é do mais forte, má sorte também sorri, ri melhor quem ri primeiro. Primeiro os idosos, as grávidas e as crianças. A esperança dura uma eternidade. A eternidade é etéria, a fêmea é estéril, a fama é efêmera, a efeméride é histórica, a história não é como se conta, a conta é para ser conferida, com ferida ou sem lesão, ilesa ou acometida, inserida no contexto, rescindida no contrato, contrastando com a razão, raciocinando em bloco, barrado no bloqueio, bloqueado para este tipo de ligação, ligado no que não vê, vedado para menores, vidrado nos pormenores por menor que seja o caso e por maior que seja a culpa. Culpado ou inocente não nos compete inculpar, nem inculcar o delito prescrito para delatar o dolo reincidente por atroz ressentimento. As voltas que o mundo dá não voltam, as mágoas mesmo afogadas resistem, as feras quando afagadas atacam, as feridas cicatrizadas ainda ferem. Os pardais estão pintando as penas. É uma pena. Como são lindas as penas pardas do pardais.

sábado, 3 de novembro de 2007

Complexo

FIM DE LINHA

Se você tem uma saída para o beco, uma beca para a festa, um bico para piar, uma boca pra beijar, um bocó para enganar, uma cumbuca pra meter a mão, uma mãozinha pra dar, um dedo para apontar, um dado para arriscar, um risco para correr, um corrimão para amparar, uma arma para disparar, um disparate a cometer, um boato a comentar, uma comenda a preencher, um preço a pechinchar, uma pechincha a dispensar, uma despensa a prover, uma prova a superar, uma super ação a mostrar, uma pequena mostra do que é capaz de fazer sem saber, faça-o na calada da noite. A noite é uma criança que vê tudo às escuras, tudo que não mata cura, mesmo a mezinha mais cara ou a lua mais clara, a velhinha mais preclara, vale a pena a escuridão. Que seria da luz ao final do túnel não fosse a escuridão? Se você tem um atalho seguro para a próxima curva, tome-o como se tivesse sorvendo um bom vinho. Hoje os atalhos andam tão falhos, com tantas folhas em branco, que para ser franco, preferível é o caminho pisado, o peso pesado, o piso encerado, a pose ensaiada, o passo apressado, o preço ajustado, o apreço notado, o aprisco amparado, o amparo legal, o clorofórmio fecal, o sigilo fiscal, o singelo amor filial, a matriz de todos os matizes, a matança de todos os pássaros, os passos de todas as pernas, o esquivar-se de todas as pernadas, a penada do juiz, o giz dos riscos, o risco de pecar, a picada da cobra, a chifrada da cabra, a quebra da safra, a queda da bolsa, a bolsa ou a vida. E daí, encontrou a saída?