sábado, 21 de novembro de 2009

Manual de cultural inútil

E agora, quem vai buscar meu netinho na escola?


O Agnaldo fez besteira, deu uma rasteira na sorte, que azar que é a vida. O temor da solidão deixou-lhe só entre as grades e os grudes, as atitudes mal pensadas, altitudes alcançadas, virtudes degeneradas, dejetos esparramados na virgindade da lua. A rua é um campo de batalha, uma navalha na carne, uma mortalha na alma, uma noite ainda clara, uma noitada cara, uma vara de condão, um varal de roupa suja, uma eleição perdida, uma última pedida, uma ferida aberta, uma certa tirania, uma agonia lenta, pouco antes dos setenta. Agnaldo, que roubada, que estrada mais encurvada escolhida para atalho, que agasalho mais reverso para enfrentar o calor, que valor mais inconteste para trocar pela vida, vida ainda tão pouca pra encurtar na loucura de uma bala, embalada pelo ódio, embolada neste tédio de cidade tão adulta, tão adúltera, tão desculpa para morrer na esquina. Que sina que tanto ensina, que tão pouco se aprende, tampouco é justa, de tão elevado custo, de indiscutível mal gosto, de desgosto tão profundo, que mundo mais sem sentido, que medo mais justificado, que justiça mais sem dentes, que injustiça mais candente, que apagão incandescente, que história mais sangrenta, que dia mais indigente, que gente mais curiosa, que incúria mais cuidadosa, que rosa mais espinhenta, que hora pra jogar dados e fazer roleta russa. Que glória mais decantada para louvar o avesso, que começo mais sem fim para alcançar o meio, que meio mais corrompido para lavar a honra, que honra tão urgente que não podia esperar? E agora, meu caro, que alto preço, que tamanho desapreço, que endereço te encontrar? E seu neto, esperando na escola, quem é que vai buscar?

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