sábado, 11 de setembro de 2010

Manual de cultura inútil

RÉQUIEM

Os sinos dobram pelo corpo que não se deixou dobrar, pelo ar que com a fumaça torna-se irrespirável, o intolerável que com a trapaça não passa na porta, a revolta envolta na clandestinidade, a cidade parada no sinal vermelho, o espelho quebrado na imagem apagada, a parada que passa na rua sem gente, o ausente presente nas bodas da cabra, o caibro quebrado na cumieira, a primeira estação depois do outono, o sono dos justos depois da janta, a santa de casa que obra prodígios, o calipígio que cabe no banco, o barranco que contém a corrente, o inocente que sabe bem o que faz, o satanaz e seus anjos sem asa, a casa assombrada junto ao sobrado, as sobras grudentas da baba da cobra, a cobrança da sogra subindo à cabeça, a cobiça do homem pelo que a vista alcança, a dança desconexa do acasalamento, o casamento entre dois inimigos, o abrigo seguro por um fio de esperança, a criança insegura pela desesperança, a ignorância e seu minuto de sabedoria, a alegria e a hora de sua tristeza, a certeza e as dúvidas que acarreta, a correta atitude as recaídas, as saídas abertas e as portas fechadas, as fachadas enfeixadas em seu gás neon, o som sobrecarregado de seus decibéis, os papéis invertidos de mando e manada, a barricada de barras e barris, o feliz folião com a fala e o fole, o gole gelado na goela do galo, o calo grudado na unha encravada, o cravo crivado na ferradura, o ferrão atrofiado da abelha rainha, a bainha de couro da faca de ponta, a conta quitada no vencimento, o aumento ajustado no dissidio, o suicídio e sua exclusividade, a identidade e suas múltiplas clonagens, a bagagem e os incontáveis extravios, dobram os sinos pelo vazio.

Nenhum comentário: